terça-feira, 13 de julho de 2010

Artigo: Mudanças no Código Florestal

As propostas de alteração do Código Florestal, que prevêem a redução das Áreas de Preservação Permanente (APP) e reservas legais, são um exemplo de que ainda prevalece no Brasil uma política voltada a interesses particulares em detrimento dos interesses coletivos. Infelizmente, ainda não conseguimos ultrapassá-la.
Os defensores dessas propostas de mudanças não medem as conseqüências delas para a manutenção dos ciclos ecológicos, que garantem não só a vida no planeta, mas também, a curto e médio prazos, as atividades econômicas que são as justificativas para essas mesmas alterações. A falta de cobertura vegetal natural diminui os nutrientes do solo e o deixa vulnerável a processos erosivos, o que o empobrece e inviabiliza a atividade agrícola em pouco tempo.
As reduções propostas trazem outros graves prejuízos. Ao diminuir as áreas naturais em relação ao que determina a atual legislação, a vegetação e os animais ficam mais vulneráveis à ação de fatores externos como ventos, queimadas e à alteração do micro clima por efeito dos raios solares que entram na área com mais intensidade, colocando em risco as espécies que vivem ali.
A qualidade da água também é afetada. Com o solo mais exposto, ela fica mais suja, pois recebe maior quantidade de sedimentos, restos de culturas agrícolas e agrotóxicos, provocando, inclusive, o aumento dos custos de tratamento.
Além disso, há as tragédias provocadas pelas chuvas em diferentes partes do país. A floresta conservada ajudaria a segurar a força das águas das chuvas, mas quase não há mais remanescentes de florestas nos topos de morros (que são APPs, segundo o Código Florestal), sendo esse um dos motivos das tragédias recentes no Rio de Janeiro. À beira dos rios a situação é semelhante. Sem a cobertura vegetal original e construções muito próximas às margens, quando há excesso de chuvas, não há espaço para a expansão das águas, o que provoca enchentes.
O Código Florestal brasileiro é um dos mais modernos e avançados do mundo e, ao contrário do que se tem dito, tem fundamento. As suas indicações de tamanhos de área de reserva legal e APPs que precisam ser mantidas para conservar a biodiversidade local eram válidas em 1965, quando entrou em vigor, e continuam sendo pertinentes até hoje.
Estudos recentes validam a legislação e indicam, inclusive, que se fosse para alterá-la, a mudança deveria ser feita ampliando as áreas mínimas de preservação, jamais as diminuindo. As APPs ao longo de rios deveriam ser ainda maiores, com pelo menos 200 m de área florestada de cada lado, para que haja uma plena conservação da biodiversidade. Na Amazônia, a manutenção de corredores de 60 m (30 m de cada lado do rio), limite mínimo atual, conserva apenas 60% das espécies locais.
Outra proposta de alteração é a sobreposição das reservas legais às APPs, o que também seria um equívoco, pois elas são complementares em termos de conservação. A primeira propicia importantes serviços ecossistêmicos, como o controle de pragas, e aumento da polinização e da produtividade de algumas culturas. Já as APPs têm como função ambiental preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, conforme especificado no artigo primeiro do Código Florestal.
Incorporar essas propostas de redução das áreas naturais ao Código Florestal seria um retrocesso e uma demonstração clara de que ainda nos falta a consciência de que dependemos da natureza para garantir o fornecimento de água doce, a regulação do clima, a qualidade do ar e a produção de alimentos. Precisamos ter limites e respeitá-los para vivermos em equilíbrio e preservarmos a vida na Terra.

Maria de Lourdes Nunes – engenheira florestal, mestre em Conservação da Natureza e diretora executiva da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza.

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